jovem em frente ao por do sol, na praia, namoradeira.

Quando o silêncio pesa mais que o grito

Quando o silêncio pesa mais que o grito 2240 1260 Patrícia Santos

Há dias em que olho para números e só vejo rostos. Rostos de jovens cansados, a tentar aguentar o que já não dá. Rostos de quem acredita que pedir ajuda é sinal de fraqueza quando, na verdade, é um ato de coragem. Trabalho com pessoas que perderam o chão de um dia para o outro, e aprendi que a dor mais perigosa é a que se guarda em silêncio. Por isso escrevo: para lembrar que sofrer não é vergonha, que o trauma não nos define e que cuidar da mente é tão essencial como respirar. Porque, por trás de cada número, há uma história que ainda pode recomeçar.

Os dados da Eurofound mostram algo que devia preocupar-nos a todos e todas: depois de anos a descer, as mortes por suicídio voltaram a aumentar na Europa, e são os jovens os mais afetados. Entre os 15 e os 29 anos, o suicídio já representa quase uma em cada cinco mortes. São números que gelam, mas mais do que isso, são o reflexo de um mal-estar profundo e silencioso que atravessa toda uma geração.

Vivemos tempos em que “parecer bem” se tornou quase obrigatório. Ser produtivo, forte, feliz, disponível o tempo todo. As redes sociais, a pressão académica, o medo do futuro, a instabilidade no trabalho, a dificuldade em sair de casa dos pais… tudo isto pesa. E pesa tanto que muitos acabam por sentir que falhar é inevitável. E, no meio de tudo, vem o silêncio: o medo de ser julgado, de não ser compreendido, de ser visto como “fraco”. Esse silêncio, às vezes, mata.

Hoje, ser jovem não é só descobrir o mundo, é sobreviver a ele. Por isso não chega dizer “aguenta” ou “vai passar”. Precisamos de criar redes reais: professores que escutam, famílias que não julgam, amigos que ficam. Prevenir não é só intervir na crise é também construir segurança antes da queda.

Há caminhos possíveis. O primeiro é ensinar desde cedo a reconhecer o que se sente, a falar sobre isso, a pedir ajuda. O segundo passa por acesso rápido e digno à saúde mental. E o terceiro é social: precisamos de políticas que ataquem as causas do sofrimento (como o desemprego, a precariedade, a falta de habitação) e de uma cultura que valorize o descanso, a pausa, a vulnerabilidade.

Como psicóloga, sei que nenhum sistema é perfeito. Mas também sei que o silêncio mata mais do que qualquer erro. É essencial que cada jovem perceba que o que sente é válido. Que a sua dor não é fraqueza. E o processo de cura não é uma linha reta. Há dias bons e dias maus, e isso é ser humano.

Se estás a ler isto e te sentes cansado/a, preso/a, vazio/a,
lembra-te: há sempre alguém pronto a ouvir.

E se conheces alguém que está a sofrer, não esperes pelo “momento certo”. Fala. Aproxima-te. Às vezes, o que salva não é uma resposta perfeita, é uma simples presença. Um “estou aqui”.

Os números são um alerta, mas também uma oportunidade de fazermos diferente. De olharmos uns pelos outros com mais cuidado. Porque quando a vida pesa, o mais importante não é carregar sozinho, é saber que há mãos prontas a segurar-nos até voltarmos a respirar.